A água, o fogo, a terra e o ar pensaram em deixar uma recordação que perpetuasse através das idades a felicidade de seu encontro. Resolveram criar alguma coisa especial que, composta de fragmentos de cada um deles harmonicamente combinados, fosse também a expressão de suas diferenças e independência, e servisse de símbolo e exemplo para o homem. Eu porei as melhores forças de minhas entranhas - disse a terra - e alimentarei suas raízes. Eu porei as melhores linfas de meus seios - disse a água - e farei crescer sua haste. Eu porei minhas melhores brisas - disse o ar - e tonificarei a planta. Eu porei todo o meu calor - disse o fogo - para dar às suas corolas as mais formosas cores. Fibra sobre fibra foram construídas as raízes, a haste, as folhas e as flores. O sol abençoou-a e a planta deu entrada na flora regional, saudada como rainha. Quando os quatro elementos se separaram, a Flor de Lótus brilhava no lago em sua beleza imaculada, e servia para o homem como símbolo da pureza e perfeição humana. Tal como a flor do lótus cresce da escuridão do lodo para a superfície da água, abrindo suas flores somente após ter-se erguido além da superfície, ficando imaculada de ambos, terra e água, que a nutriram - do mesmo modo a mente, nascida no corpo humano, expande suas verdadeiras qualidades (pétalas) após ter-se erguido dos fluidos turvos da paixão e da ignorância, e transforma o poder tenebroso da profundidade no puro néctar radiante da consciência Iluminada. Se o impulso para a luz não estivesse adormecido na semente profundamente escondida na escuridão da terra, o lótus não poderia se voltar em direção à luz. Se o impulso para uma maior consciência e conhecimento não estivesse adormecido mesmo no estado da mais profunda ignorância um Iluminado nunca poderia se erguer da escuridão.

quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

O Deus com quem converso não é uma pessoa



O Deus com quem converso não é uma pessoa, não é pai de ninguém.
O Deus com quem eu converso é uma idéia, uma energia, uma eminência.
Não tem rosto, portanto não tem barba.
Não caminha, portanto não carrega um cajado.
Não está cansado, portanto não está sempre no trono.
O Deus que me acompanha vai muito além do que me mostram as religiões.
E como ele me deu o Livre-Arbítrio, sou eu apenas que respondo e responderei pelos meus atos.
Não há outra forma de falar sobre Deus a não ser falando sobre nós mesmos. Deus é um espelho no qual a imagem da gente aparece refletida com as cores da eternidade.

Quer ver Deus? Veja a beleza do sol que se põe.
Quer ouvir Deus? Entregue-se à beleza da música.
Quer sentir o cheiro de Deus? Respire fundo o cheiro do jasmim.
Quer saber como é o coração de Deus? Empurre uma criança num balanço, porque Deus tem um coração de criança.
“Deus é como o vento. Sentimos na pele quando ele passa, ouvimos a sua música nas folhas das árvores e o seu assobio nas gretas das portas. Mas não sabemos de onde vem e nem para onde vai.
Na flauta o vento se transforma em melodia. Mas não é possível engarrafá-lo.
Tudo o que vive é pulsação do sagrado.
As aves dos céus,
os lírios dos campos...
Até o mais insignificante grilo, no seu cricri rítmico,
é uma música do Grande Mistério.
É preciso esquecer os nomes de Deus que as religiões inventaram para encontrá-lo sem nome no assombro da vida.
‘Sejamos simples e calmos como os regatos e as árvores, e Deus amar-nos-á fazendo de nós belos como as árvores e os regatos, e dar-nos-á verdor na sua primavera e um rio aonde ir ter quando acabemos.’ (Alberto Caeiro )”

Rubem Alves

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